Pedro acordou naquela noite perturbado. Não conseguia esquecer o sonho que tivera. Uma lembrança terrível lhe assombrava durante muito tempo. Levantou-se, bebeu um copo com água, olhou pela janela. A gélida negra noite o fazia lembrar aqueles momentos. Distraiu-se com o gato de sua vizinha andando pela rua pouco iluminada. Olhou seu relógio em cima da mesa de cabeceira, quase três horas da manhã. Dormira pouco, tinha ido à cama quase meia-noite. Semana passada acontecera o mesmo.
Sentado ao lado do telefone, pensou em pegá-lo e ligar para alguém, precisava conversar. Pegou-o, discou os dois primeiros números, mas não sabia para quem ligaria, e se a pessoa estivesse dormindo? Andava pelo quarto pensativo, tinha que voltar a dormir, logo cedo teria que levantar-se para trabalhar.
Voltou a deitar, fechou os olhos, mas logo os abriu, a lembrança voltara. Revirou-se na cama em busca de uma posição que o fizesse esquecer. Suas tentativas eram inúteis, aquela lembrança não saía de sua cabeça. Sentou-se na beira da cama, fechou os olhos, queria gritar, só que seu grito fora abafado pelo temor.
Sentia dores no corpo, parecia haver alguém apertando seus braços. Tentava se soltar daqueles braços, mas eram fortes. Seu corpo estava fraco, sentiu-se mole, ficou imóvel. O braço pulsava de dor, aquelas mãos não o largava, por que estava fazendo isso? Abriu os olhos e viu que voltara a sonhar, o pesadelo era terrível.
Olhava para o teto, depois para a janela, o vidro embaraçado por causa do vento gelado, a temperatura parecia ter despencado. O local ficara frio, grossos pingos de chuva caíram. Foi até a janela, agora não encontrou o gato da vizinha, a rua ficara um deserto. Um casal passou correndo tentando se proteger, apesar de terem o corpo ensopado pela água.
A chuva ficara mais intensa, à medida que piorava, seus temores também pioravam. Ficou observando aquele casal até saírem de vista. O mundo parecia sentir sua dor. Olhava para si, sentia-se sujo, algo lhe sujara por dentro, essa mancha não queria sair, mesmo que fosse molhado pela chuva, continuaria sujo.
Como não conseguiu voltar a dormir, desceu até a cozinha, bebeu mais um copo com água, pegou a chave do carro e foi até ele. Saiu dirigindo, parecia estar sufocado, a chuva parara, abaixou o vidro e colocou a cabeça do lado de fora tentando respirar. Estava sem rumo, virava as esquinas sem saber para onde estava indo. Alguns lugares passados eram desertos e esquisitos, outros, bastantes movimentados como se a manhã acabara de chegar.
O barulho das ruas fazia-o esquecer o que provocara tudo aquilo. Conduzia seu carro distraidamente, em certo ponto quase atropelara um cachorro que ia passando. Em certos pontos, pessoas olhavam-no desconfiadas, nesses locais acelerava com medo de algo acontecer-lhe.
A cidade parecia diferente, sentia como se estivesse entrando em um cemitério, talvez a dor da lembrança tornasse tudo sombrio. Dirigir tornou-se difícil, o volante do carro parecia ter se tornado mais pesado, tudo ali dentro parecia estar mais duro. Estava ficando sem forças, até mesmo para dirigir.
O entrar e sair de ruas desconhecidas o surpreendeu, pois, quando menos esperava, estava entrando em sua rua. Estacionou o carro e desceu correndo, a chuva voltara a cair. Foi ao banheiro, despiu-se e banhou-se, enquanto a água quente deslizava sobre seu corpo, o sonho parecia descer junto. A água quente tirou tudo frio que havia, seu corpo ia se esquentando, suas lembranças também, mas lembranças boas. Com os olhos fechados em baixo do chuveiro, esquecia o que sonhara.
A chuva batendo no teto, a água batendo em seu rosto, foi suficiente para levá-lo a um momento de alívio. Fechou o chuveiro, saiu e enxugou-se, vestindo apenas a roupa íntima, voltou a deitar, mas dessa vez fora diferente. Tinha um sentimento de alegria, esquecera o que sonhava, apesar dos olhos fechados, em seu rosto, estampado, estava um enorme sorriso.
Aos poucos seu sono foi chegando, apesar de ser mais de quatro horas da manhã e só faltar menos de uma hora para se levantar, Pedro dormiu. O sol invadiu o quarto, a noite fria transformou-se em um dia quente. Os pássaros cantarolavam anunciando a chegada de um novo dia. Apesar das poucas horas de descanso, acordou disposto como se tivesse dormido oito horas. Estava pronto para o novo dia.
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